A Biotecnologia tem sofrido imensos avanços tecnológicos e científicos, ao longo das últimas décadas.
No entanto, o Homem utiliza os biomateriais desde a antiguidade, com o uso de tecidos naturais (vegetais e animais) na tentativa de reparar as lesões sofridas nas caçadas, ou durante a exploração do território. Os materiais usados pelo Homem para estes fins foram sendo alterados ao longo dos séculos, de forma a que o uso dos mesmos fosse mais eficaz, até chegarmos aos atuais polímeros sintéticos, metais, cerâmicos ou compósitos. A Engenharia de tecidos é uma área científica recente e baseia-se no desenvolvimento e manipulação de implantes artificiais, tecidos fabricados em laboratório ou células vivas que possam substituir ou estimular as zonas lesadas do nosso corpo.
O que é um biomaterial?
O biomaterial deve obedecer a vários critérios, para que possa ser considerado como compatível para uso no ser humano:
- Biocompatibilidade, para que não haja rejeição por parte do organismo humano;
- Esterilidade, de forma evitar infeções;
- Osteocondutividade para promover a adesão celular e o crescimento ósseo;
- Biodegradabilidade para uma fácil integração no organismo;
- Propriedades mecânicas apropriadas à funcionalidade para que foram desenvolvidos;
- Ausência de toxicidade;
- Facilidade de manipulação;
- Possibilidade de processamento em larga escala;
- Densidade semelhante à dos meios biológicos.
É possível a regeneração óssea, com a utilização da Engenharia de tecidos?
O osso é um tecido dinâmico e vascularizado que cresce, renova-se e mantém-se ativo durante toda a vida do organismo, tendo como principal função o suporte do corpo e o apoio na locomoção.
Quando existe uma lesão ortopédica, devido à capacidade de regeneração do osso, podem ser adotadas terapias conservadoras ou técnicas cirúrgicas no sentido de reparar a lesão. No entanto, por vezes, é necessário recorrer a excertos e substituição óssea, principalmente nos casos de lesões extensas decorrentes de traumas, procedimentos cirúrgicos e deformidades ósseas congénitas.
Embora a transplantação de tecidos (excertos e substituição óssea) seja bastante utilizada, esta apresenta algumas limitações, nomeadamente a possibilidade de rejeição do excerto e o risco de infeções. As técnicas de Engenharia de tecidos ósseos vieram colmatar estas limitações, sendo assim uma alternativa promissora na substituição óssea, em casos de irregularidades ortopédicas, neoplasias ósseas, tratamento de artroses, estabilização de segmentos espinais e cirurgia ortopédica e reconstrutiva.
Como funciona a Engenharia de tecidos?
Todo o processo baseia-se no desenvolvimento de tecidos novos e funcionais, usando células vivas que são associadas a estruturas de suporte (scaffolds), que servem de estrutura de sustentação para o desenvolvimento do tecido. Pretende-se que estas estruturas de suporte possuam as características ideais, em termos de biocompatibilidade, biodegradabilidade, resistência mecânica, ambiente adequado para adesão, proliferação e sobrevivência celular, funcionando como uma excelente estratégia para aumentar a capacidade de reparação e regeneração óssea. Para estimular e melhorar os processos de crescimento celular, são adicionadas células ósseas percursoras e fatores de crescimento aos scaffolds, aliados a uma vascularização capaz de facilitar o acesso aos nutrientes e oxigénio necessários para o crescimento e desenvolvimento saudável destes novos tecidos.
Quais são os materiais mais usados na Engenharia de tecidos?
O crescimento e o progresso da tecnologia dos biomateriais, acompanhou a investigação médica dedicada ao estudo do microambiente do local das lesões ortopédicas. Assim, tendo em conta as alterações nos requisitos e características pretendidas para um determinado material, foram criadas três gerações de biomateriais:
Primeira geração: materiais bioinertes
Surgiram em meados dos anos 60 e 70, com o principal objetivo de serem utilizados como implantes médicos. Com estes materiais pretendia-se conseguir propriedades (físicas e mecânicas) semelhantes às do tecido lesado, sem uma interação lesiva para o organismo do hospedeiro, ou seja, sendo bioinertes. Como exemplos de materiais pertencentes a esta geração: metálicos (aço inoxidável e titânio), cerâmicos (alumina e zircónia) e poliméricos (polipropileno e polimetilmetacrilato). Com o avançar dos anos, verificou-se que a utilização destes materiais originava a formação de uma camada de tecido fibroso ao seu redor, o que dificultava a adesão do implante ao tecido recetor e, consequentemente, o seu desprendimento, inviabilizando a sua utilização.
Segunda geração: bioativos e biodegradáveis
O avanço da biotecnologia permitiu melhorar a resposta bionerte dos materiais de primeira geração e obter uma ação biológica específica, de forma a impedir a formação da camada de tecido fibroso, melhorando a sua adesão ao tecido recetor. Como exemplo de materiais bioativos, temos os vidros bioativos, cerâmicos, vitro-cerâmicos e compósitos. Os materiais biodegradáveis englobam os polímeros sintéticos (poli-ε-caprolactona, poliácido láctico) ou outros considerados naturais, tal como o quitosano e o ácido hialurónico.
Terceira geração: biomiméticos
Estes materiais foram concebidos para impulsionar respostas celulares específicas ao nível molecular, conciliando a bioatividade e a biodegradabilidade da geração anterior, com a capacidade de estimulação para atividades e procedimentos celulares específicos, nomeadamente no desenvolvimento de matrizes porosas constituídas por materiais biomiméticos. A Engenharia de tecidos dedica-se ao desenvolvimento destes materiais e, tem como grande objetivo, obter características mecânicas apropriadas para o tecido do organismo e propriedades semelhantes às da matriz extracelular óssea nativa do paciente.