O Big Data é uma das principais buzzwords do momento. Num contexto em que a quantidade de informação sobre o tema é extensa, quais são as aplicações práticas para o setor da saúde?
Em 1663, o matemático John Graunt apresentava na Royal Society aquilo que hoje conhecemos como análise de dados. Atualmente considerado um dos pais fundadores da Estatística e do Big Data, a inovação de Graunt servia, à época, um objetivo de saúde pública uma das primeiras aplicações da análise estatística foi a previsão de pandemias como a peste bubónica que, à época, devastava a Europa.
Em 2021, mais de 350 anos depois, um inquérito da Accenture descobriu que 88% dos executivos na área da Saúde indicam a análise de dados e o Big Data como a sua principal prioridade estratégica. No entanto, menos de um terço das empresas reconhece ter capacidade instalada para processar e extrair conclusões de tanta informação. A consultora Mckinsey, chega à mesma conclusão: faltam cerca de 190 mil profissionais nesta área.
Nos 3 séculos que separam o advento da estatística da utilização generalizada dos dados como ferramenta de gestão, muito mudou e mais ainda estará por vir. Mas, afinal, em que consiste o Big Data e como pode ser aplicado à Saúde?
O que é o Big Data?
O termo Big Data, aplicado ao setor da Saúde, refere-se à recolha e processamento de dados médicos a partir de várias fontes, como registos dos utentes, resultados de exames, histórico de transações, dados de wearables ou dispositivos médicos.
Só na área hospitalar, estes conteúdos são responsáveis por 50 petabytes de informação por ano, a nível global. Surpreendentemente, 97% dessa informação não é utilizada.
QUANTIDADE DE DADOS ARAMZENADA POR EMPRESAS COM MAIS DE 1.000 COLABORADORES (2012)
Fonte: Mckinsey
Porquê? Em parte, devido à complexidade do processo analítico do Big Data que pode ser subdividido em 5 categorias (os V’s do Big Data): – algo que invalida o tratamento de informação pelos métodos “tradicionais”. Atualmente, já se encontram desenvolvidas e disponibilizadas novas ferramentas que facilitam o processamento dos dados e abrem portas para novas aplicações na área da Saúde.
Big Data aplicado ao setor da Saúde
Com o volume de informação disponível sobre o tema, pode ser complexo encontrar respostas que conciliem o potencial da tecnologia, as necessidades dos doentes e os objetivos orçamentais de empresas e instituições. Destacamos as principais aplicações que podemos esperar nos próximos anos:
1. Redução do custo por doente
A análise de dados preditiva pode desempenhar um grande papel na redução das despesas de saúde. Por exemplo, através da otimização da dimensão das equipas. A necessidade de um número elevado de profissionais aumenta os custos por doente; um subdimensionamento, pode colocar pessoas em risco. A análise de dados pode ajudar a prever o número de pacientes para assim definir a equipa.
Em Paris, um conjunto de hospitais públicos, em parceria com a Intel, desenvolveu uma ferramenta que se apoia numa variedade de fontes para chegar a previsões diárias e horários sobre quantos pacientes são esperados em cada hospital.
Um dos principais conjuntos de dados contém 10 anos de registos de admissões hospitalares, o que permitiu que os investigadores identificassem padrões relevantes nas taxas de admissão. Em seguida, com recurso a machine learning, foi possível prever tendências futuras sobre o número de admissões.
2. Personalização das terapias
A integração de dados pode ter efeitos transformadores em todo o ecossistema da saúde. A GE Healthcare iniciou recentemente uma parceria com o Vanderbilt University Medical Center, para permitir imunoterapias mais seguras e precisas.
O projeto vai cruzar as respostas da imunoterapia de milhares de pacientes com cancro com os dados demográficos, genómicos, tumorais, celulares e de imagem. O objetivo é ajudar os médicos a identificar o tratamento mais adequado para cada paciente, com recurso a IA (inteligência artificial).
3. Melhoria dos diagnósticos
O Big Data tem potencial para oferecer aos pacientes acesso mais rápido a cuidados, pela forma como acelera o diagnóstico. Nos últimos anos, várias apps passaram a aconselhar os pacientes sobre a sua condição médica utilizando dados agregados e até recomendar que as pessoas procurem aconselhamento médico com base nessas informações.
Muitos consumidores já têm interesse em dispositivos inteligentes que registam cada passo que dão, os batimentos cardíacos, hábitos de sono, etc., de forma permanente. Todas essas informações vitais podem ser combinadas com outros dados rastreáveis para identificar potenciais riscos à saúde.
Recentemente, a Apple associou-se a investigadores de Stanford para determinar se o sensor cardíaco do Apple Watch pode ser usado para detetar fibrilação atrial. Desta forma, a marca americana espera poder notificar os usuários de que precisam procurar atendimento médico.
Os desafios do Big Data aplicado na Saúde
Apesar do potencial do Big Data, subsistem obstáculos à adoção generalizada. Num estudo recente da Accenture a 250 executivos do setor, mais de um terço admitiu que as barreiras entre departamentos impedem a recolha e correlação de dados. Outras das barreiras mais citadas foi a dificuldade em cruzar dados não estruturados e em formatos muito díspares para daí tirar conclusões.
A segurança também é uma grande preocupação. Cada vez mais empresas sentem a necessidade de recorrer a soluções de cibersegurança de ponta para evitar ataques.
Por fim, subsistem desafios regulatórios que devem ser acautelados, nomeadamente no que toca ao consentimento para recolha e tratamento de dados, controlo de acessos à informação e na transmissão entre fronteiras de países. Mas, da mesma forma que John Graunt viu, em pleno século XVII, a importância da análise estatística para resolver muitos dos problemas da humanidade, também a maioria das empresas, profissionais de saúde, reguladores e pacientes alimenta a expectativa de que o Big Data eleve a prestação de cuidados de saúde a um novo patamar.